21.07.23
Os anos 90 estiveram entre as melhores décadas no que toca à produção de filmes de interesse para crianças e jovens. Às sextas, recordamos aqui alguns dos mais marcantes.
Os filmes 'de animais' sempre foram um dos géneros mais populares (e, como tal, lucrativos) do chamado 'cinema de família'; afinal, quem não gosta de passar uma hora e meia a ver patuscas criaturas livrarem-se de todo o tipo de peripécias? Não é, pois, de estranhar que este 'filão' tenha, tradicionalmente, sido bastante explorado por Hollywood ao longo das décadas, ainda que de formas algo diferentes: se em meados do século XX, os filmes tendiam a ser mais bucólicos e centrados nas façanhas dos animais em si, à medida que os anos avançaram, esta tendência inverteu-se, dando lugar à grande vaga de filmes com 'animais falantes' (ou quase) de finais do século. No entanto, apesar das diferenças, estas duas 'fases' do cinema 'de animais' têm, pelo menos, um elemento em comum: um filme em que dois cães e uma gata atravessam zonas rurais dos Estados Unidos na senda para se reunirem com os donos.
De facto, 'Regresso a Casa' (no original, 'Homeward Bound: The Incredible Journey') acaba por ser o exemplo perfeito da mudança de sensibilidades entre as décadas de 60 e 90; isto porque se o filme de que é 'remake' – 'A Incrível Jornada', de 1963 – se focava mais nas façanhas dos três animais protagonistas e na beleza das zonas rurais da Califórnia, já a 'actualização' três décadas mais nova (e que celebra este fim-de-semana exactos trinta anos sobre a sua chegada a Portugal) aposta todas as suas 'fichas' nas piadas incessantemente 'debitadas' pelos actores de 'primeira linha' contratados para dar voz ao trio de personagens principais.
Reside, aliás, aí a principal diferença entre os dois filmes, já que os dois cães e gato de 1963 eram mudos, sendo as suas aventuras narradas por um elemento externo, enquanto que o Chance, Shadow e Sassy de 1993 relatam (de forma constante) as suas próprias aventuras, pelas vozes de, respectivamente, Michael J. Fox (inconfundível, mas aqui numa prestação frenética mais ao estilo Jack Black ou Robin Williams), Don Ameche e Sally Field, de 'Papá Para Sempre' e 'Matilda, a Espalha-Brasas'. E se Ameche consegue transmitir a dignidade necessária ao seu golden retriever sénior, e Field faz o mesmo quanto ao sarcasmo da adequadamente chamada Sassy (Atrevida), Fox é absolutamente insuportável no papel do jovem buldogue americano (que, no original, era um bull terrier) encarregue de carregar o arco dramático secundário da história, em que aprende a respeitar os seus companheiros e a amar os humanos que os acolhem – uma adição perfeitamente desnecessária a um filme onde as motivações e conflitos ficam já de si evidentes na própria premissa.
Também desnecessários são elementos como a relação das crianças com o novo padrasto, ou uma sequência de 'pastelão' passada num canil que parece só existir porque 'Sozinho em Casa' popularizara este género. Isto porque, na sua essência, o 'Regresso a Casa' de 1963 quer ser precisamente o mesmo que o seu antecessor – um filme de família tocante sobre um acontecimento naturalmente emotivo, ao estilo de um 'Voando P'ra Casa' mas com toques de comédia; e a verdade é que, a espaços, consegue mesmo atingir esse desiderato, nomeadamente nas cenas retiradas do primeiro filme, como a luta com uma mãe ursa ou a famosa cena em que a gata é apanhada pela corrente do rio. Pena, pois, que estes bons momentos sejam minimizados pelas CONSTANTES (e fraquinhas) 'piadolas', que nada acrescentam ao todo, e que tornam os primeiros minutos, em particular, praticamente inassistíveis.
Ainda assim, e apesar destes defeitos, 'Regresso a Casa' fez sucesso suficiente junto de crítica e público para justificar uma sequela, numa época em que qualquer filme para crianças tinha de ter, pelo menos, uma continuação. Lançado três anos após o original, 'Regresso a Casa II: Perdidos em São Francisco' traz 'mais do mesmo', mas agora em ambiente urbano, por oposição às florestas e montanhas do primeiro filme – e, curiosamente, na mesma cidade para a qual a família vai em lua-de-mel no primeiro filme, suscitando a necessidade de deixar para trás os animais...
Como costuma suceder com este tipo de filme, no entanto, a segunda parte ficou aquém da primeira em termos de recepção, o que – a juntar às mudanças no panorama dos filmes infantis na ponta final do século XX – ditou o final prematuro do que, de outra forma, seria certamente uma franquia ao estilo 'Beethoven' ou 'Air Bud'.
Hoje, trinta anos após a sua estreia e vinte e sete após a sequela, 'Regresso a Casa' parece uma espécie de 'cápsula do tempo' para o início dos anos 90, tendo muito mais em comum com contemporâneos como 'Libertem Willy', 'Paulie', 'Querida, Encolhi Os Miúdos' ou o supramencionado 'Voando P'ra Casa' do que com obras como 'À Dúzia É Mais Barato', que representariam o protótipo do cinema infantil a partir de 1997 ou 98. Ainda assim, para quem se queira distanciar do humor mais 'vulgaróide' dessas obras (e tenha tolerância para um Michael J. Fox em 'modo Jim Carrey', requisito essencial para sequer pensar em abordar esta duologia) estes dois filmes continuam a constituir uma forma tolerável de passar uma tarde de chuva em família, especialmente quando combinados com o seu excelente antecessor, em formato 'Sessão Tripla', de forma a 'educar' a geração mais nova no que toca a bons filmes para a sua faixa etária...